Estamos Sozinhos no Universo ?

O desafio da astronomia no século XXI:
Estamos sozinhos no universo?
Revista Ciência Hoje nº 130
Outubro de 1999

J. A. de Freitas Pacheco

Observatoire de la Côte d'Azur, Nice (França)

Os astrônomos já detectaram -- de forma indireta, através de instrumentos especiais -- alguns possíveis planetas, orbitando estrelas distantes, fora do sistema solar. Tais objetos revelam que os sistemas planetários, ao contrário do que a ciência acreditava, podem ter estrutura muito variada. O sistema planetário do qual a Terra faz parte é apenas uma das possibilidades. As descobertas recentes dão nova dimensão a uma antiga pergunta: existe vida em outros planetas? Encontrar a resposta é o grande desafio da astronomia. E novas missões espaciais estão sendo preparadas justamente para descobrir planetas que apresentem as condições necessárias e detectar neles sinais de vida.

O estudo de outros planetas, até recentemente, estava restrito ao sistema solar. Dos oito 'vizinhos' da Terra, cinco -- Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno -- são conhecidos desde a antigüidade e, mesmo antes que Isaac Newton (1642-1727) descobrisse a lei da gravitação universal, muitos astrônomos tentaram entender seus movimentos. Tais estudos levaram, após a descoberta casual de Urano em 1781, à localização de Netuno, em 1846, e Plutão, em 1930 (ver 'Netuno: 150 anos de história e ciência', em Ciência Hoje nº 125). Se o tema predominante nos últimos séculos foi a dinâmica do sistema solar, o estudo físico dos planetas desenvolveu-se no atual, sobretudo através das inúmeras missões espaciais.
Embora a preocupação principal dos astrônomos tenha sido, nas últimas décadas, estudar a constituição física dos planetas vizinhos, a questão da presença ou não de vida nesses astros sempre esteve presente, gerando controvérsias acompanhadas com atenção pela opinião pública. O interesse nas pesquisas sobre o assunto foi reativado há poucos meses com a descoberta, em um meteorito que teria vindo de Marte, de indícios de que naquele planeta, há alguns bilhões de anos, poderia ter havido atividade orgânica, ligada a algum tipo de 'vida bacteriana'. Análises posteriores, no entanto, colocam em dúvida essa interpretação, sugerindo que as estruturas observadas são, na realidade, de origem mineralógica.
A sonda de exploração de Marte (chamada Mars Global Surveyor) lançada em novembro do ano passado pela agência espacial dos Estados Unidos (Nasa) poderá trazer novas respostas a essas questões. Ela deverá chegar ao quarto planeta do sistema solar em setembro deste ano.
Se os primeiros astrônomos utilizavam apenas telescópios ópticos simples e rústicos, o desenvolvimento tecnológico dos últimos anos deu aos cientistas que atuam nesse campo instrumentos de trabalho cada vez mais sofisticados. Além de poderosos telescópios, são usados hoje outros aparelhos, em especial os que registram em detalhes vários tipos de radiação emitidos por astros distantes, e técnicas que permitem amplificar essas 'mensagens' do espaço e corrigir eventuais distorções ocorridas durante a longa viagem até a Terra. Os registros obtidos e sua análise, feita com a ajuda de grandes computadores, fornecem amplo leque de informações sobre os objetos visados.
Graças a um desses novos instrumentos -- um espectrógrafo de alta resolução, instalado no Observatório de Haute Provence (França) --, Michel Mayor e Didier Queloz foram os primeiros a detectar a presença de um planeta fora do sistema solar, orbitando a estrela 51 Pegasi. Na realidade, não se trata de detecção direta: o espectrógrafo separa os diversos componentes da radiação emitida pela estrela, o que permite determinar muitas de suas características físicas e químicas e seu movimento em torno do centro de massa do sistema, com base no efeito Doppler. Tal efeito, definido de forma simplificada, é a variação que ocorre na freqüência da radiação quando a fonte que a emite se move em relação ao observador.
No caso de uma estrela distante, em movimento no espaço, o espectro registrado permite deduzir se está se afastando ou se aproximando do observador (na Terra) e em que velocidade. Analisando movimentos, diferenças de brilho e outras características de uma estrela é possível descobrir interferências causadas por corpos celestes próximos -- prováveis planetas. O espectrógrafo de Haute Provence consegue medir velocidades de até 50 m/s, o que permite a detecção de planetas gigantes.
O planeta detectado em 51 Pegasi tem massa comparável à de Júpiter (318 vezes maior que a da Terra), mas seu período orbital, ou seja, o tempo que leva para dar uma volta completa em torno da estrela, é de apenas 4,23 dias (o de Júpiter é de 11,86 anos). Logo após a descoberta francesa, G. Marcy e P. Butler, astrônomos da Universidade da Califórnia (em São Francisco), anunciaram a existência de dois novos planetas, orbitando as estrelas 47 Ursae Majoris e 70 Virginis. Graças ao esforço dessas equipes, quase uma dezena de planetas extra-solares foi detectada de forma indireta até o final de 1996.
Uma análise rápida das informações sobre os oito 'candidatos' a planeta mostra que cinco estão associados a estrelas com espectros comparáveis ao do Sol. O tipo espectral de uma estrela -- há sete tipos principais: O, B, A, F, G, K e M -- indica sua temperatura superficial: o Sol, por exemplo, é uma estrela de tipo G (G5 V), com temperatura efetiva em torno de 5.780 K (* 6.000 °C). Estrelas do tipo F, como as três últimas da lista de planetas recém-descobertos, são ligeiramente mais quentes. As estrelas selecionadas no programa de detecção estão dentro de um determinado intervalo de temperatura (ou de tipo espectral), pois acredita-se que nelas é maior a probabilidade de existência de sistemas planetários.
As massas dos planetas em 70 Virginis e HD 114762 são bem mais elevadas que a de Júpiter. Tais objetos fazem parte de um conjunto obscuro de corpos celestes, com propriedades físicas pouco conhecidas, que inclui desde os planetas gigantes até as anãs marrons, estrelas de baixa massa e pouco brilho. É o caso de Gliese 229, sistema que possui uma anã marrom de massa 20-50 MJ. Além de Gliese 229, são conhecidas hoje outras duas anãs marrons, descobertas pelo Instituto de Astrofísica das Canárias (Espanha): Teide 1 e Calar 3. Outro objeto gigantesco parece orbitar a estrela 55 Câncer: além do 'candidato' a planeta já detectado, há forte suspeitas de que exista um segundo corpo, com massa aproximada de 5 MJ e período orbital entre 15 e 20 anos.
Todos os possíveis planetas da lista foram detectados através do movimento orbital da estrela, calculado com base no efeito Doppler. Mas a órbita pode, em alguns casos, ser definida também por observações astrométricas, como no caso de Lalande 21185 (HD 95735) -- na astrometria, medições angulares de precisão feitas por diferentes telescópios são combinadas, o que permite estabelecer o movimento de astros. Em torno dessa estrela gira um planeta de massa igual a 0,9 MJ, a uma distância de 2 U.A. e com período de 5,8 anos, e também suspeita-se que um segundo corpo esteja presente, com período de 30 anos e massa desconhecida.
Alguns astrônomos, em particular Alexander Wolszcsan, interpretam as modulações observadas nos sinais emitidos por pulsares (estrelas de nêutrons) como resultantes de perturbações gravitacionais causadas por planetas. Assim, no caso do Pulsar 1257+12, Wolszcsan sugere a presença de três planetas, com massas (nesse caso, em relação à massa da Terra) de 0,015, 3,4 e 2,8. Apesar do ambiente hostil, a existência de planetas em torno de pulsares não pode ser descartada. Entretanto, a explicação mais aceita hoje é a de que tais modulações são produzidas pela precessão da estrela de nêutrons -- a precessão é, de forma simplificada, o movimento (ou a 'inclinação') do eixo de rotação de um objeto que está girando (como o 'balanço' que um pião de brinquedo apresenta enquanto gira).
Ainda não há consenso entre os astrônomos sobre a classificação como planetas de todos os objetos da lista. A diferença sutil entre um planeta gigante e uma estrela do tipo anã marrom está em sua formação. Um planeta surge através de um processo contínuo de acresção (captura de gás, poeira ou ambos), enquanto uma estrela forma-se pela fragmentação de uma nuvem de gás interestelar, seguida do colapso gravitacional desses fragmentos. No colapso, a atração gravitacional torna-se tão grande que ocorre a fusão nuclear dos elementos primordiais, como hidrogênio e hélio, produzindo novos materiais e liberando grande quantidade de energia em forma de luz e calor.
As conseqüências dos dois modos de formação são notórias. As órbitas observadas na maioria dos sistemas estelares duplos, em que estrelas giram uma em torno da outra, são excêntricas, enquanto as dos planetas são quase circulares, em função das interações com o material do disco primitivo. No entanto, um dos 'candidatos' listados, na estrela 16 Cygnus, tem massa compatível com a de um planeta gigante (1,5 MJ), mas apresenta órbita com 0,67 de excentricidade (o valor zero equivale a uma órbita circular), o que coloca um problema a mais para as teorias de formação de sistemas planetários. Os possíveis planetas de 70 Virginis e HD 114762 também têm órbitas excêntricas (0,4 e 0,25, respectivamente), mas suas massas são muito maiores que a de Júpiter (6,6 MJ e 10 MJ, respectivamente), entrando no conjunto obscuro já mencionado.

Novas perspectivas
A descoberta de planetas gigantes próximos de suas estrelas, como em 51 Pegasi (a 0,05 U.A.) e Tau Bootis (a 0,0462 U.A.) foi inesperada. As hipóteses atuais para a formação de sistemas planetários não admitem facilmente tal possibilidade. No caso do 'candidato' detectado em 51 Pegasi, as temperaturas estimadas para sua órbita, na nebulosa que originou o sistema, seriam elevadas demais para a condensação e agregação das partículas. Além disso, o corpo em formação estaria sujeito a intensas forças de maré (atração gravitacional variável, como a da Lua sobre os oceanos), o que dificultaria a acresção da matéria necessária para formar um planeta gigante.
Astrônomos como D.N. Lin e J.C. Papaloizou imaginaram um cenário mais complexo para explicar o planeta de 51 Pegasi. Ele teria se formado a uma distância de cerca de 3 U.A. e, em seguida, processos dinâmicos próprios da nebulosa o fizeram 'migrar' para regiões mais internas. Em uma segunda possibilidade, o planeta gigante seria constituído essencialmente por hidrogênio e hélio, tendo grande núcleo rochoso. Existe uma terceira hipótese: a de um planeta gigante semelhante à Terra (no aspecto físico), formado a partir da acresção de pequenos asteróides. De qualquer modo, a detecção desses planetas extra-solares mostra a 'banalidade' do processo de formação e a diversidade dos sistemas planetários.
Um disco de gás e poeira, que poderia ser o resto da nebulosa 'primitiva', foi detectado em 1984 em torno da estrela Beta Pictoris (constelação do Cavalete do Pintor). Desde então, esse objeto tem sido intensamente estudado, em particular pelo telescópio espacial Hubble, com resultados surpreendentes, como no exemplo do disco de matéria em torno da estrela. Analisando o espectro de Beta Pictoris, os astrônomos descobriram indícios da existência de matéria caindo na estrela. Na interpretação de R. Ferlet, do Instituto de Astrofísica de Paris (França), tais observações significam que pequenos corpos, provavelmente cometas, caem de tempos em tempos na estrela. Ao se aproximarem, são gradativamente volatizados e o gás liberado é detectado no espectro. Essa hipótese combina com a detecção, no mesmo espectro, de monóxido de carbono (CO), molécula presente nas comas cometárias (envoltório gasoso que circunda o núcleo dos cometas).
Já o 'buraco' central existente no disco de gás e poeira é interpretado como decorrente da presença de um planeta gigante (o planeta, ao 'varrer' determinada área do disco, retira a poeira, deixando o 'buraco'), que também levaria à 'torção' do plano de simetria do disco. Ao reanalisar dados fotométricos de 1981, a equipe de Ferlet encontrou uma súbita variação do brilho de Beta Pictoris que, se interpretada como efeito da passagem do planeta diante da estrela, permite deduzir que o mesmo tem tamanho semelhante ao de Júpiter, como foi estimado. Assim, Beta Pictoris seria mais um sistema onde, de forma indireta, é sugerida a presença de um planeta, imerso parcialmente em um disco de gás e poeira, possível resto da nebulosa que lhe deu origem.
Diante dessas descobertas, qual a estratégia a seguir para detectar novos planetas, em particular os do tipo terrestre, onde é maior a possibilidade da existência de vida? A detecção indireta, através do efeito Doppler, exige grande aumento na precisão das medidas de velocidade radial. Hoje, o limite de medição está em torno de 50 m/s (no caso de 51 Pegasi, a velocidade medida foi de 56 m/s). Para detectar um planeta com a massa da Terra, na mesma órbita, seria preciso medir velocidades de 40 cm/s. É uma tarefa difícil, mas não impossível. As melhorias previstas para breve no espectrógrafo que descobriu o primeiro 'candidato' a planeta, em Haute Provence, permitirão medir velocidades de alguns m/s. A evolução tecnológica nesse campo indica ainda que velocidades da ordem de alguns cm/s poderão ser medidas daqui a cinco ou sete anos.
Já a detecção de planetas por métodos astrométricos requer necessariamente o uso de veículos espaciais, como no projeto Global Astrometric Interferometer for Astrophysics, conhecido pela sigla GAIA. Trata-se de um interferômetro óptico com base de 3 m, a ser posto em órbita da Terra -- interferômetros são sistemas, formados por mais de um observatório, que medem distâncias com base nos diferentes ângulos de observação, mesmo que sejam frações mínimas de segundos de grau. GAIA poderá determinar os movimentos de 50 milhões de estrelas (até a magnitude 15), com precisão de 10 microssegundos de arco (um *sa equivale à milionésima parte do segundo de arco), e irá procurar planetas em 500 mil estrelas candidatas. Acredita-se que serão detectados entre 10 mil a 15 mil novos objetos grandes como Júpiter, mas a precisão do observatório espacial também permitirá 'achar' planetas de menor massa, semelhantes à Terra (nesse caso, a detecção esperada é de 10 a 100 objetos).
O grande desafio da astronomia, no entanto, é a detecção direta de planetas: a obtenção de imagens desses corpos celestes. Até recentemente, o obstáculo a vencer era enorme, pois os cientistas imaginavam os sistemas extra-solares como cópias do nosso. Isso significa que, para detectar um planeta como Júpiter, situado a 5,2 U.A. do Sol, seria preciso medir o brilho de dois corpos com diferença de magnitude (medida pela reflexão de luz visível) da ordem de 22,8 vezes. Mas os planetas, se estão situados mais próximos da estrela, têm temperatura mais elevada e por isso emitem mais radiação infravermelha (não-visível) do que refletem luz visível, o que diminui o contraste com a estrela. No caso de 51 Pegasi, a diferença de magnitude (luz visível) estimada entre a estrela e o planeta detectado seria de 12,8 vezes -- condições mais favoráveis para obter imagens, embora isso ainda exija imenso esforço tecnológico.
Recentemente, no Observatório dos Alpes Marítimos (Observatoire de la Côte d'Azur), na França, foi desenvolvido por Jean Gay um novo conceito de coronógrafo que talvez seja a solução -- coronógrafos são instrumentos que ocultam o 'corpo' da estrela, permitindo a observação apenas de um 'anel' externo (a coroa). Através de técnicas interferométricas, o novo aparelho 'apaga' a estrela, permitindo que um planeta situado fora do eixo ótico 'apagado' seja diretamente detectado. A atmosfera terrestre limita a eficiência do processo, mas os recursos atuais de óptica adaptativa podem melhorar a performance: os primeiros testes realizados do solo permitiram observar um contraste de 5 magnitudes entre astros situados, no mapa celeste visto da Terra, a uma distância de dois mícrons (um * equivale à milionésima parte do metro). Tal precisão nunca foi atingida antes.
A performance prevista teoricamente só poderá ser obtida se os efeitos atmosféricos forem eliminados. Por isso, vem sendo estudada a possibilidade de instalar o coronógrafo interferencial no telescópio espacial Hubble, em 2002, abrindo amplas perspectivas para a primeira detecção direta de um planeta. Mesmo com as dificuldades atuais, existe uma 'corrida' entre norte-americanos e europeus visando a primeira detecção direta a partir do solo, através da interferometria em 10 mícrons, envolvendo o telescópio Keck (no Havaí) e o telescópio que o observatório austral europeu (ESO, de European Southern Observatory) vai instalar nos Andes chilenos, e que deverá estar operando a partir do próximo século.

A busca da vida no universo
Diante da esperança de detectar um considerável número de planetas extra-solares nas próximas décadas, é natural que a questão da existência de formas de vida nesses mundos seja colocada. Como uma visita in situ é uma possibilidade ainda remota, resta a teledetecção como meio de investigação. A pergunta-chave, então, é: o que procurar?
Inicialmente, é preciso formular conceitos que não sejam, a priori, baseados nas formas de vida mais comuns na Terra. As concepções que a ciência teve e tem sobre a vida têm sido freqüentemente questionadas. Um exemplo da diversidade dos seres vivos e de sua presença mesmo em condições adversas extremas é o Riftia pachyptila, verme gigante das profundezas abissais estudado por pesquisadores franceses.
O R. pachyptila chega a crescer 85 cm por ano e pode atingir cerca de 2 m. Seu 'sangue', se assim podemos chamar, transporta enxôfre, e não oxigênio. O animal vive em águas profundas (2.600 m) aquecidas por atividade vulcânica. Uma bactéria presente em seu sistema circulatório transforma o gás sulfídrico (H2S) e o gás carbônico (CO2) -- produzidos por vulcões submarinos -- que o verme extrai da água diretamente em um carboidrato (CH2O), dispensando um sistema digestivo.
De modo geral, biofísicos e bioquímicos concordam com os critérios que definem um sistema com atividade vital: 1) deve conter informações que definam seu estado de desordem; 2) deve ser capaz de se reproduzir; 3) deve sofrer modificações, em seu potencial de informação, que lhe permitam evoluir, através de processo de seleção darwiniano, na direção de formas mais complexas e mais aptas a sobreviver e gerar descendência. Tais informações -- e quanto a isso também existe certo consenso -- devem estar 'guardadas' em longas cadeias de moléculas ligadas entre si (chamadas macromoléculas), como acontece com o ácido desoxirribonucléico (DNA), base do código genético de todos os seres vivos terrestres.
Ao que tudo indica, as macromoléculas baseadas na química do carbono seriam a resposta. O carbono pode se oxidar (CO2) ou se reduzir (CH4) com a mesma facilidade, produzindo uma variedade considerável de espécies químicas. Uma prova do papel de destaque do carbono está na constatação de que, das 112 moléculas já detectadas no meio interestelar, onde as condições físicas são bem diferentes das dos laboratórios, 84 contêm esse elemento e apenas oito contêm silício.
Outro fato importante é o aumento da velocidade das reações químicas entre macromoléculas se estas se encontram em solução. Entre os solventes possíveis, a água ocupa lugar privilegiado: suas propriedades como isolante, quando pura, possibilitam a ionização de inúmeros sais e as ligações do hidrogênio com íons e moléculas em solução, favorecendo a formação de macromoléculas com radicais do tipo OH, CO e COOH, e não com radicais do tipo CH e CH3. A água tem outra vantagem em relação a solventes como álcool ou amoníaco: a luz ultravioleta pode dissociar as macromoléculas, mas no caso da água os produtos da decomposição, oxigênio (O2) e ozônio (O3), sobem para a alta atmosfera e absorvem esse tipo de radiação, diminuindo e até eliminando a fotodissociação. Assim, a água líquida favorece o desenvolvimento de formas de vida que têm macromoléculas como suporte químico da informação.
Combinando todas essas características, é possível imaginar que a 'zona habitável' em torno de uma estrela seria a região orbital onde planetas fisicamente semelhantes à Terra, com a gravidade adequada, possuem água líquida na superfície. Esse conceito indica que os planetas extra-solares já detectados, do tipo jupiteriano, com atmosferas ricas em hidrogênio e hélio e com estrutura gasosa, não devem ter desenvolvido formas de vida.
Se considerarmos que o desenvolvimento de processos vitais só ocorre em alguns bilhões de anos, podem ser excluídos os sistemas planetários de estrelas massivas (as que têm massa de oito a dez vezes maior que a do Sol), já que 'nascem' e 'morrem' em menos tempo. Sistemas ligados a estrelas de baixa massa também não poderiam conter vida: como a órbita 'habitável', nesse caso, é bem próxima, efeitos dinâmicos das forças de maré fazem o planeta sincronizar sua rotação e seu movimento orbital. Isso significa que -- como acontece com a Lua, em relação à Terra -- o planeta mostrará sempre a mesma face à estrela: o lado iluminado provavelmente será quente demais e o outro frio demais para que exista vida. Todas as objeções levaram os astrônomos J.F. Kasting, D.P. Whitmire e R.T. Reynolds a apontar as estrelas com tipos espectrais G e K (com temperaturas superficiais entre 5.900° K e 3.900° K, ou seja, entre 6.170°C e 4.170°C) como as que reúnem as condições mais propícias para o desenvolvimento de uma 'zona habitável'.
O projeto Darwin, da agência espacial européia (ESA) é uma conseqüência direta da evolução de tais conceitos. O objetivo dessa sonda espacial é a detecção de sistemas planetários em estrelas G-K situadas a até 65,2 anos-luz do Sol (um ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano) e a busca de indícios de vida, com a identificação, através de técnicas sofisticadas, da presença de gás carbônico (CO2), água (H2O) e ozônio (O3) em suas atmosferas. Esse observatório espacial terá interferômetros infravermelhos acoplados a quatro ou cinco telescópios -- há duas versões em estudo -- separados por uma base de 50 m, e deverá ser posto em órbita do Sol, a uma distância de 4 U.A., entre Marte e Júpiter.
Segundo as primeiras estimativas, Darwin poderá estudar uma centena de estrelas G-K e indicar (ou não) a presença de atividades vitais, identificando as moléculas que representam a 'assinatura' da vida. Os telescópios de Darwin também poderão estudar pequenos corpos do sistema solar (asteróides distantes) e certos fenômenos verificados em muitas estrelas consideradas 'estáveis', à semelhança do Sol.
No próximo século, a procura de sinais de vida no universo será certamente o tema central da astronomia. Para os cientistas que atuam nesse campo, a profusão de descobertas e o acelerado desenvolvimento tecnológico dos últimos anos permitem algum otimismo. Parece estar se aproximando a resposta a uma indagação que desafia a humanidade: o que ocorreu em nosso planeta, depois de sua formação, foi algo singular, ou temos 'vizinhos' lá fora?


Sugestões para leitura
OWEN, T. Strategies for the search of life in the universe, Reidel, 1980.
KASTING, J.F et al. 'Habitable zones around mais sequence stars', in Icarus, vol. 101 (108), 1993.
MARIOTTI, J.-M. 'Le projet Darwin', in Interferometrie visible et IR dans l'espace (edições CNRS), 1996.
LINDEGREN & PERRYMAN. 'The Gaia concept', in Interferometrie visible et IR dans l'espace (edições CNRS), 1996.